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fonte: Folha de SP
Quase todo mundo que usou plano de saúde nos últimos dois anos teve algum problema com o serviço médico, mostra uma pesquisa Datafolha encomendada pela Associação Paulista de Medicina de avaliação da saúde suplementar. No mesmo levantamento, do outro lado do negócio, quase todos os médicos que trabalham para essas empresas afirmam que há interferência dos planos de saúde em sua autonomia profissional.
Os resultados apontam para uma insatisfação geral com o serviço, por parte de beneficiários e profissionais, o que contribui para que os planos tenham uma imagem negativa na sociedade. “É inaceitável, as pessoas pagam o plano para fugir das dificuldades que eles encontram no Sistema Único de Saúde”, avalia o diretor da Associação Paulista de Medicina, Florisval Meinão. “Os médicos estão insatisfeitos e os pacientes estão insatisfeitos”.
Para associação de planos de saúde, no entanto, o setor “envolve muita complexidade”, o que gera dúvidas, e há um movimento de racionalização para evitar desperdícios (leia abaixo).
Um terço dos entrevistados usaram plano de saúde nos últimos dois anos e 96% deles afirmam que tiveram problemas. A principal reclamação está no serviço de pronto-atendimento, citado por 82% dos beneficiários. Os pacientes reclamam do local de espera cheio, da demora em ser atendido e de negativa para realização de exames e transferência hospitalar.
Exames diagnósticos também são motivo de queixa para 72% dos pacientes. Inclui-se aí o fato de ter que realizar exames em vários locais diferentes, a demora para autorizá-los e marcá-los, as poucas opções de laboratório e clínicas e o fato de o plano não cobrir alguns desses procedimentos.
Internações hospitalares (poucas opções de hospitais, dificuldade para autorizar a internação, falta de vagas e demora para acesso à UTI) e cirurgias são ainda razões de queixas, para 53% e 24% dos entrevistados, respectivamente.
A imagem que fica dos planos de saúde para os beneficiários é ruim. A maior parte dos entrevistados afirmam que as empresas dificultam a realização de procedimentos mais caros, pagam um valor baixo aos médicos e restringem seu trabalho, não cumprem todas as regras do contrato e pressionam os profissionais para reduzirem o tempo de internação.
Com todas essas dificuldades e por falta de opções de atendimento, um terço dos beneficiários entrevistados buscaram atendimento na rede pública ou por médicos particulares fora do plano, segundo a pesquisa.
Abandonar de vez o plano de saúde e depender somente do SUS, no entanto, não é uma decisão boa, segundo Meinão. “São questões pontuais, como o uso de pronto-socorro. O plano é essencial para a população. A saúde é marcada pela imprevisibilidade de gastos e, se a pessoa depender do SUS, vai ter muitas dificuldades. Apesar da visão crítica com os planos, que deveriam estar mais atentos, eles são indispensáveis”, afirma.
A pesquisa ouviu 843 titulares ou dependentes de planos de saúde com 18 anos ou mais que vivem em São Paulo entre 25 de abril e 2 de maio. A margem de erro é de 3 pontos percentuais, para cima ou para baixo.
“A medicina brasileira está apta a prestar um atendimento nas melhores condições, que se equipara aos países de primeiro mundo. A formação, a qualidade de nossos hospitais, principalmente privados, os equipamentos estão aptos a prestar um atendimento de altíssima qualidade. Mas a grande verdade é que uma boa parcela da população não consegue acesso a isso”, diz o diretor da APM.
Do outro lado, 615 médicos foram ouvidos entre 12 de junho e 2 de julho. 9 em cada 10 declararam que há interferência dos planos na autonomia do profissional, como nomear auditores em caso de solicitações de exames e glosar procedimentos ou medidas terapêuticas.
“O médico sabe que se ele ultrapassar certos limites, ele vai ser descredenciado. Não tão explícito, mas ele se sente assim. A gente sabe de muitos colegas que foram descredenciados porque o plano achava que o custo por atendimento era muito alto, que exigiam muitos exames”, diz Meinão. “Há uma falta de confiança mútua entre médico e plano e quem sofre com isso é o usuário, que precisa ser atendido.”
Mais da metade dos médicos entrevistados disseram que também trabalham na rede pública, e relataram dificuldades para conseguir internações, salas de cirurgias, exames e falta de estrutura adequada. 64% deles, inclusive, disseram que já sofreram agressão: seja verbal (57%), psicológica (53%) ou física (12%) no exercício da profissão.
Presidente da Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), que reúne operadoras de planos privados, Solange Beatriz Palheiros Mendes discorda que a imagem do serviço seja negativa. “Eu vejo um sistema de muita complexidade e portanto gera muitas dúvidas.”
“Algumas reclamações surgem em função do momento, onde todo o setor está buscando trazer maior racionalidade a esse sistema, como a mudança do modelo de pagamento, que prestigie o resultado. Em qualquer momento de mudança, isso gera um desconforto para as partes envolvidas”, afirma. “Se tem uma preocupação com o uso desnecessário, com os desperdícios, as empresas precisam intensificar o cuidado com esses processos no intuito de proteger a própria carteira, o grupo de pessoas que comprou o plano de saúde.”
Mendes cita pesquisa Ibope que coloca um plano privado de saúde como um dos itens mais desejados pela população, atrás apenas de casa própria e educação. “Discordo que seja tão negativa a imagem dos planos”, diz.
Em nota, a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), diz que, “por repetidas vezes” as pesquisas de opinião “apontam que os serviços prestados pelas operadoras de planos de saúde são sempre bem avaliados, com média entre 70% e 80% de satisfação.”
A associação afirma ainda que “não é regra o descredenciamento de médicos que pedem mais exames, mas é oportuno lembrar que no Brasil há sim um excesso de solicitações de exames, prova disso que o país é o campeão mundial de realização de ressonância magnética, um triste exemplo de desperdício, pois, com toda a certeza, muitos desses exames são completamente desnecessários.”
A pesquisa vem à tona em um momento em que o modelo de cobrança dos planos está na pauta. A ANS (Agência Nacional de Saúde) permitiu que operadoras de planos cobrem dos usuários até 40% do valor dos atendimentos, mas a decisão foi barrada no sábado (14) pelo STF –os usuários deste modelo de coparticipação triplicaram em três anos. A agência também permitiu o reajuste de planos individuais e familiares em até 10%.